17 abril 2020

INDIGNA CASA


Queria poder juntar os cacos do corpo frágil e humano
que somos todos nós.
Queria poder alinhavar tecidos partidos, frágeis órgãos,
frágeis corpos 
de pais, irmãos, avós,
que vão se dissolvendo enquanto a vida vai passando indiferente.

Queria colar os cacos, fundir partículas,
construir um corpo perfeito,
um super corpo capaz de resistir à vida,
de resistir à morte
que teima em se instalar em nós a cada respirar,
como uma bomba a nos dizer
que pode ser agora ou amanhã,
Na próxima curva, na próxima queda,
Em meio ao próximo riso ou da maior tristeza.

E ela vai nos roubando de nós, amaciando as resistências
desse frágil corpo que somos.
Mina nossos ossos, faz falhar o coração,
murcha a flor da nossa pele,
tira a cor dos cabelos, torna opaca a nossa visão.
Frágil corpo, para almas tão sedentas de vida...

E o corpo (mesmo que ainda são) vai se partindo,
se rasgando, se dilacerando,
Ao ver cair, sem piedade,
Um a um,
Os corpos de nossos pais, irmãos, avós,
Amigos, filhos, amantes...

Pobre corpo humano!
Casa indigna dessa alma sedenta que Deus nos deu.
Corpo dilacerado na dor de não poder juntar, alinhavar,
fundir, reviver, enfim,
Os corpos que de tão frágeis não comportam
a alma daqueles que amamos.

Por Silvio Vinhal em O Tempo e o Jardim, ArtContato editora, Brasília, 2013

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