30 março 2013

Páscoa = Passagem

foto: Avi Abrams

Um dia eu virei as costas para a dor e para a cruz. Entendi que a “civilização da culpa” era apenas uma forma de coerção mental, de submissão doutrinária. Não nego que tenha tido sua importância, a princípio, na minha formação. Porém, libertei-me de seus jugos gradualmente. Não deixei de ser cristão, só deixei de ter religião. Adotei um Cristo vitorioso, ressuscitado, imerso em luz e energia boas, em alegria e em perdão.
Sempre entendi e usei a Páscoa em seu sentido mais literal de passagem, de purificação (mais mental e espiritual que física). Sempre saí renovado, de fato. Hoje, conversando ao telefone com um amigo ele me disse algo do tipo: “me olhei no espelho e me perdoei em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Talvez esse seja o verdadeiro ritual que devemos fazer na Páscoa. Nos perdoar, íntima e sinceramente. Entender que não necessitamos dar conta de tudo que se nos apresenta. Ter consciência da nossa ínfima importância diante do universo.
Pra quê carregar tanto ódio, tanta culpa, tanto fardo pesado, tanta inconformidade com nós mesmos? Inconformidade que se reflete nos outros, e se torna ódio e culpa que o tempo inteiro geramos também no outro?
Uma das cerimônias da religião católica que mais gosto é a da quarta-feira de cinzas. Porque “a coisa mais certa de todas as coisas” é que “somos pó e ao pó voltaremos”. Mentalmente, sempre que envaideço-me um pouco por algum elogio (principalmente por autoelogios) faço a imagem mental de estar nu, com a cabeça raspada, deitado sobre a terra numa atitude de entrega. Sou pó, e ao pó eu volto sempre para me lembrar que nada sou.
E ao me permitir ser “nada” me desobrigo dos meus fardos, dos meus pesos, dos meus ódios, das minhas culpas e dos meus medos. Faço assim minha passagem para ser um ser mais leve. O mais próximo, talvez, que eu posso estar desse Jesus ressuscitado que eu ainda trago em mim.
Enquanto nós nos entupimos de chocolate e bacalhau, sem saber muito bem o motivo, uma parte de mim quer urgentemente desejar a todos que eu amo, e a todos que estiverem atentos, que simplesmente passem, transponham, se transfigurem e ressuscitem de si mesmos.
O inimigo – que às vezes somos nós mesmos, assim como a dor, a morte e a tristeza só permanecem em nós enquanto permitimos.
Feliz Páscoa! Feliz Passagem!

Por Silvio Vinhal