27 abril 2020

BUSCA
















Há em mim uma poesia contida,
como o badalar de um sino que não badala.
Como o som de um violino que nos recorda a alma
(mas que não ouvimos).
Lá fora cai a chuva de todos os ciclos,
num ritmo cálido e triste,
mas o coração está feliz e ouve o ritmo
como uma canção de alegria que nos conforta a alma.

Há sorrisos na memória.
Rostos, mãos e gestos. Silhuetas amadas
e esquecidas.
Há um burburinho dizendo
que tudo se confunde numa coisa só.
O amor por cada pessoa é o amor por todas as pessoas.
O corpo é apenas um braço, a mão,
Uma fagulha que de nós se estende rumo a outro ser.
Não importa sexo e cor,
o amor acontece de um ser a outro,
e outro, e outro,
Porém, ser ser promíscuo,
ama um a um e ao mesmo tempo ama a todos,
Porque não há limites para o amor.

O amor não conhece a gravidade, o tempo, o espaço,
Não se acomoda em recipientes vazios.
Pelo contrário, cresce sempre,
como o ar quente que se expande, mais e mais,
Como a água que está sempre fugindo.
(olhando de perto vemos que não é uma fuga)
É um destino, um caminho,
que se contorce nas pedras do rio,
Abre passagem, supera desafios e vai, vai sempre,
em busca de um destino,
Sombrio, desconhecido,
Mas cheio de sonhos que projetamos,
Silhuetas que amamos
e que retornam na sombra que as folhas
desenham no chão.
Há um grito de dor, desejo irrealizado,
frustração!
Mas há um grito mais forte, de júbilo:
O tempo é senhor da razão...
e valerá a pena qualquer amor,
Qualquer amor valerá!

Poema do Livro O Tempo e o Jardim, Silvio Vinhal, Artcontato Editora, 2013
Foto: Cláudio Moreira

22 abril 2020

ARCO DO TEMPO















Abriu-se uma fresta no tempo desde que te conheci,
E por ela penetrou uma luz furta-cor, mágica
Quebrando as resistências do espaço conhecido.
Mais cedo fosse, juraria eu ter ouvido trombetas do apocalipse
Céus se abrindo numa fantasmagoria de luz e movimento.

Tudo está quieto agora,
Nem uma folha se move e essa atmosfera surreal
Prenuncia teus passos em minha direção.
Tua voz é música em meus ouvidos,
Minha alma canta e se deixa balançar
Como uma criança.
E adormece como uma criança no teu colo.

Te conheço de agorinha há pouco,
Nem te vi ainda,
E algo me diz que sempre estivemos juntos
Na pradaria de tempos eternos,
Lá onde nasce o vento pra vir soprar à terra
Aventuras e amores de um dia.
No entanto possuímos todos os dias.

Recosto a cabeça em teu peito e ouço por séculos teu coração.
Como se alguns segundos apenas me quedasse ali.
Todos os relógios quebrados, inúteis,
Incapazes de registrar o tempo para nós.

Não importam milhas, quilômetros,
Entre a minha alma e a tua não passa uma linha.
Meu dedo descreve um arco em tua fronte
E um beijo nos devolve a unidade.

Poema Arco do Tempo, do libro AmaroAmor, Silvio Vinhal, Artcontato Editora, Brasília 2019           
Foto: Cláudio Moreira

17 abril 2020

INDIGNA CASA


Queria poder juntar os cacos do corpo frágil e humano
que somos todos nós.
Queria poder alinhavar tecidos partidos, frágeis órgãos,
frágeis corpos 
de pais, irmãos, avós,
que vão se dissolvendo enquanto a vida vai passando indiferente.

Queria colar os cacos, fundir partículas,
construir um corpo perfeito,
um super corpo capaz de resistir à vida,
de resistir à morte
que teima em se instalar em nós a cada respirar,
como uma bomba a nos dizer
que pode ser agora ou amanhã,
Na próxima curva, na próxima queda,
Em meio ao próximo riso ou da maior tristeza.

E ela vai nos roubando de nós, amaciando as resistências
desse frágil corpo que somos.
Mina nossos ossos, faz falhar o coração,
murcha a flor da nossa pele,
tira a cor dos cabelos, torna opaca a nossa visão.
Frágil corpo, para almas tão sedentas de vida...

E o corpo (mesmo que ainda são) vai se partindo,
se rasgando, se dilacerando,
Ao ver cair, sem piedade,
Um a um,
Os corpos de nossos pais, irmãos, avós,
Amigos, filhos, amantes...

Pobre corpo humano!
Casa indigna dessa alma sedenta que Deus nos deu.
Corpo dilacerado na dor de não poder juntar, alinhavar,
fundir, reviver, enfim,
Os corpos que de tão frágeis não comportam
a alma daqueles que amamos.

Por Silvio Vinhal em O Tempo e o Jardim, ArtContato editora, Brasília, 2013