11 agosto 2011

A Primeira Vez

Ilustração: Romero Britto


Inesquecível para mim. Foi um vôo curtinho, de Uberlândia para Goiânia, para socorrer um amigo que estava apertado com um trabalho para “ontem”. Ele pagou a passagem. Na época, se me lembro bem, eu estava quebrado. Fiquei imaginando que a necessidade dele era bem grande mesmo, pois uma passagem de Uberlândia para Goiânia naquela época devia custar bastante. De qualquer forma, foi um gesto carinhoso e de grande deferência para comigo. Nem sei se ele tem consciência de como foi importante aquela “passagem” que tratei de apreciar em todos os aspectos visíveis e invisíveis. Para aquele momento, aquele vôo foi simbólico com o princípio de uma “volta por cima”, um retorno aos palcos da vida, onde eu andava me sentindo um simples borrão.

O vôo durava cerca de meia hora. Praticamente 15 minutos subindo e 15 minutos descendo. Viagem curtinha. Nem preciso dizer que passei vergonha logo na saída, pois achei que o povo na sala de embarque era todo para o mesmo avião e me distrai. Quando me dei pela situação já estavam chamando meu nome no alto falante. Gente importante é assim... anunciada no vôo. (haush haush haush)

Pedi assento na janela, claro. Não ia, de jeito nenhum, perder a oportunidade de apreciar a vista, ver a terra do espaço pela primeira vez. Imaginei que tivesse algo de mágico nisso, e tinha mesmo. Era um dia lindo de sol, algo entre março e abril, penso. Céu muito azul e com algumas nuvens. O contraste do branco com o azul era maravilhoso. Senti-me num grande aquário (por causa da sensação de flutuação que as nuvens baixas e espaçadas propiciavam). Algo difícil de descrever, um espetáculo belo e quase silencioso. Numa hora dessas quem sequer se lembra do barulho do avião?

Olhando abaixo entendi Romero Britto*, é bonita demais essa terra brasilis, esses campos reticulados e coloridos, cultivados ou não, terra de todas as cores, rios, elevações, cidades. Impossível descrever as sensações pelas quais fui acometido.

O mundo acontece dentro e fora da gente. A emoção, talvez seja quando esse mundo interior ameaça sair pela boca, pelos olhos, pelos poros. Não há mal definitivo em nossas vidas que possa nos prender sempre ao fundo, ao chão. Aquele vôo simbolizou a virada. Senti-me arrebatado literalmente aos céus. Quando desci em Goiânia eu era alguém mais vivo, mais feliz. Justo eu que havia saído daquela cidade de cabeça baixa, por algumas peças que a vida havia me pregado. Nunca houve outro vôo tão significativo, ainda que eles tenham se tornado bem mais frequentes. Depois daquele dia eu ganhei novas asas.

Silvio Vinhal

*Romero Britto é considerado um ícone da cultura pop moderna, sendo um dos mais premiados artistas de nosso tempo. O artista pop mais jovem e bem-sucedido de sua geração, Britto tem criado obras-primas que invocam o espírito de esperança e transmitem uma sensação de aconchego. Suas obras são chamadas, por colecionadores e admiradores, de “arte da cura”. Sua arte contém cores vibrantes e composições ousadas, criando graciosos temas com elementos compostos do cubismo. Veja mais em:

http://www.romerobritto.com.br/portu/romero.asp